domingo, 12 de julho de 2009

Veneno que cura

O Iodo não tem gosto. É insosso. Não fede nem cheira. Não tem cor nem brilho. Vem lacrado. Cercado de cuidados. Tem de ser encomendado, agendado. Parece inofensivo, mas é cruel. Cruel com as possíveis sobras de tecido tireoidiano que, por ventura, teimam em permanecer. Cruel também com o nosso organismo, principalmente com as glândulas salivares, o intestino e o aparelho reprodutor. Os hormônios ficam alterados. Não se sabe por quanto tempo depois do iodo. O intestino fica preso, retendo radiação. Mas, isso não é nada comparado às taxas de sobrevida e estatísticas de cura. O Iodo cura. É a saída, a solução. Não existe ponto de discórdia nem outra alternativa. É o que deve ser feito. O tratamento não é nada se comparado aos outros. Dos males, o menor, dizem os médicos. Se eu pudesse escolher um para ter, escolheria o de tireóide. O que tem maiores chances de cura, menor taxa de mortalidade, menor chance de metástase e, cujo tratamento, é o menos traumático. E é. Não dá pra negar. É claro que amedronta, angustia e deprime. É claro que, diariamente, você se pergunta o por que foi acontecer com você. Justo você que sempre foi tão independente, tão auto-suficiente, tão imortal. Justo você que se cuidava tanto, que se alimentava tão bem, que era tão naturalista. Justo você. Pois é, acontece do jeito que a gente menos espera, e, justo com a gente. Não existem respostas para as inúmeras perguntas sobre o por que. Não tem um por que. Não é como o câncer de pulmão que todos conhecem a razão e o próprio doente sabe o quanto é responsável pela doença. Não é como o de mama que é amplamente divulgado, conhecido e que existe até campanha de esclarecimento e camiseta de apoio. O de tireóide, órgão em formato de borboleta, é silencioso. Lento. Muitas vezes imperceptível. Assintomático. Não tem uma causa especifica. Não foi nada do que fez ou deixou de fazer. Nada do que comeu ou bebeu. Nada que tenha exagerado na juventude. Nada que tenha suprimido da alimentação. Pode ser genético, mas não hereditário. Não existe culpa. Nada. A procura por respostas só gera mais perguntas. Paciente impaciente que quer entender a razão. O sentido. É mais freqüente nas mulheres, em geral ainda jovens. Entre 25 e 45 anos. É indolor. Não emite sinais, nem sintomas. As vezes, nem o clinico percebe. Indetectável pelo exame de sangue. Todos normais. Somente o ultrassom e a punção dizem a verdade. O diagnóstico é certeiro e assustador. Principalmente para quem se acha imortal, para quem ainda é jovem, para quem dizem que ainda é cedo, que dá pra esperar, que tem a vida toda pela frente. Para quem ainda precisa de mais tempo. Para quem ainda quer fazer algo de bom e notável pelo mundo. Para quem ainda quer casar e ter filhos. Para quem ainda quer estar do lado dos filhos quando os netos chegarem. Nunca é a hora. É sempre cedo para ir embora. E, na hora da sucção, é preciso puxar fundo. Com fé e esperança. Os fantasmas estão ali, a espreita. Sempre por perto. É na iodoterapia que eles teimam em aparecer. Fortes, verdadeiros, enormes, assustadores. Vem e vão. Justo ali quando se está ainda mais vulnerável. O dormonid ajuda, relaxa, mas não os extermina. De manhã eles voltam. O Iodo é indolor, incolor e insosso. Ao mesmo tempo é radioativo, poderoso, contagiante. Exige paz do paciente e dos que o cercam. Exige respeito, amor e consideração. Exige paciência. O isolamento é preciso, providencial. É o tempo certo para parar, pensar, esquecer e lembrar. Não é preciso ter medo, o Iodo cura e, nessa hora, é só isso que interessa.

6 comentários:

  1. Era o que eu precisava nesta tarde vazia

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  2. Nossa, exatamente assim que me sinto, nem mais nem menos. Obrigada.

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  3. Maravilhoso este texto. Estou neste momento em um quarto fazendo a minha radioterapia. Este texto era tudo que eu precisava.

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  4. O iodo cura!!!!!! Obrigada pelo texto,me ajudou bastante...

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  5. O iodo cura!!!!!! Obrigada pelo texto,me ajudou bastante...

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  6. Estou na fase em que já fiz o iodo fui isolada dos filhos por 1 semana são pequenos 1 ano e 6 anos. Fiquei bem até agora mas achando que tudo havia acabado estou com este sintoma sem paladar e mal humor as vezes apareci é que a mulher é o arrimo da casa e guando ela não esta bem nada flui. Conto sempre com o apoio da família nem sempre eles compreendem, gostaria de apagar esta etapa e pular e esquecer que existiu em minha vida, mas tudo é lição tudo o que passamos Deus sabe que temos que suportar e sei que lá na frente vou lembrar e dizer que venci com força. De uma grande Mulher.

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